21 de janeiro de 2012



Naquela época, a cidade inteira cheirava a rock’n’roll. A Gabriela cheirava a rock’n’roll. Aquele cheiro meio suado, sabe? Lembrava álcool. Os ares eram de rebelião, os jornais estampavam na primeira página sobre o protesto do dia anterior, os jovens tinham dentro da alma algo nunca visto antes, algo parecido com sede de mudança, de justiça. Eu achava bonito, até. Achava mesmo. Gabriela tinha 19 anos, um espírito que clamava desesperadamente por liberdade e uma pele tão clara que contrastava com os cabelos negros. Linda. Eu tinha 25 e um espírito que clamava desesperadamente por uma casinha no campo e uma boa biblioteca particular. Simples, eu sei, eu sei. Mas nunca fui um jovem estilo rock’n’roll, revolucionário. Eu assistia de longe os protestos, as gritarias, os confrontos, sempre de longe. Gabriela não, ia à luta, enfrentava com seu corpinho miúdo o que quer que fosse, colocava a cara a tapa, perturbava o sono da vizinhança, se inspirava em grandes artistas. Eu admirava muito aquela coragem, embora escondesse a sete chaves isso dela. ‘Você é muito careta, Luíz. Parece meu pai.’, dizia logo após de dar uns dois goles em qualquer bebida forte, daquelas que descem rasgando a garganta. Depois ria alto para espantar o sono e sintonizava o rádio em alguma estação que tocasse Cazuza - sua maior influência. Eu era muito de ficar observando, entende? Eu observava cada detalhe. Mas Gabriela não era de observar, era de agir, de bater a porta de casa e deixar os outros lá… observando. E portanto se enjoava rapidamente de me encarar e sentava num canto da cama e fechava os olhos, esperando o sono chegar, esperando que aquela tal mudança chegasse de uma vez, esperando que seus sonhos a transportassem. Pra onde? Nunca soube.
— Isabel R. em Gabriela. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sinta-se em casa e volte sempre!