18 de outubro de 2010


“Alguma coisa tá errada. Eu olho pra ela e fico desesperado. Por que eu preciso ficar segurando a mão dela o tempo todo? Soltei. Chacoalhei a cabeça pra ver se aquela sensação estranha passava, mas eu só ficava cada vez mais angustiado. Encostada na mureta do terreno baldio que ficava na frente da minha casa, ela olhou na direção do sol baixo do fim da tarde.

Alícia: O céu tá laranja.

Colocou o cabelo liso atrás da orelha e apertou os olhos pra olhar o céu. Acho muito louco ficar brisando nas cores do céu nesse horário, mas não conseguia parar de olhar pra ela. Gostava muito daquela blusa cinza comprida que ela tava usando. Gosto do jeito que ela se veste, como se tivesse pegado qualquer coisa no armário antes de sair. Tô ficando preocupado com isso tudo. Pisquei os olhos algumas vezes tentando acordar. Ela percebeu a cara estranha que eu fiz enquanto olhava pra ela e deu risada. Droga.
Ela ficou me encarando de um jeito que me deixava sem graça. Eu tava ficando sem ar de ficar perto dela e não conseguia entender por quê. Ela estendeu a mão pra tocar no meu braço, mas eu recuei, quase sem pensar. Era como se eu estivesse com medo dela. E acho que eu tava. Ela estranhou e recuou também.

Alícia: Tá tudo bem?

Meu coração tava mais acelerado do que nunca, por nada. O que ela tava fazendo ali? O que a gente tá fazendo? Foi me dando uma bad trip imensa. Os braços fininhos encostados no muro, alguns fios de cabelo voando com o vento, o olho azul que ficava ainda mais bonito refletindo o sol laranja. Ela tava fazendo aquela cara de quando não entende o que tá acontecendo, como se eu fosse um ET. Gosto do jeito espontâneo dela. Gosto de como ela tá me olhando, gosto do sorriso dela, gosto que ela seja menor que eu e caiba certinho quando eu a abraço. Só não gosto do quanto tenho vontade de abraçar ela o tempo todo.
A gente já tá saindo há um tempo. Passou tão rápido. Parecia que ontem eu tava na porta da casa dela todo suado, bêbado e com a pior cara do mundo, pedindo pra entrar depois de ter corrido feito um louco. É bom quando passamos a tarde toda juntos, tipo hoje. Almoçamos perto da escola, fumamos um e depois fazemos qualquer coisa. Os caras da pista já tão começando a reclamar que eu sumi. Eu passaria as tardes lá com a Alícia se não ficasse incomodado com tantos caras olhando pra ela. Me incomoda muito.

Alícia: Thom? Que cara é essa?

Cumprimentam ela como se fosse qualquer guria da pista, que tu olha de cima a baixo, dá um sorriso e mostra o shape do skate todo ralado. Se tiver boné, tu também pode mexer ele pro lado enquanto sorri. E eu não posso dizer nada. Nem quero dizer nada. Ela não é minha. Se ela quiser passar a tarde com qualquer um daqueles caras, eu não vou poder impedir. Eu também posso passar a tarde com quem quiser. Posso ligar pra qualquer vadia nesse segundo, na frente dela. É o que eu vou fazer.
Ela desistiu de me fazer perguntas, sorriu pra mim e voltou a olhar em direção ao sol, que já não tinha mais uma cor tão forte. Eu respirei fundo antes de agir como um completo idiota e também olhei na direção do sol. Levei um susto quando senti ela me dando um abraço, sem mais nem menos.

Alícia: Teu coração tá acelerado.

Engoli seco. Já era. Eu gosto dela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sinta-se em casa e volte sempre!